segunda-feira, 25 de julho de 2011

Daniel - 8 - EPÍLOGO


19/03.
Às 18h00 se encerram as atividades da Grande Tenda Mística e se inicia a grande festa de reabertura do circo em seu funcionamento normal. Dançarinas do Ventre, Engolidores de Fogo, Artistas de Rua, Artistas do circo e de outros circos, Artistas de TV, de cinema e teatro animam o ambiente.
A alegria contagia a todos e gente de todo mundo comparece ao evento. Há muitos místicos, videntes, cabalistas, ocultistas e iniciados nos mais diversos segmentos espirituais e religiosos e a troca de informações, conhecimento e afeto rola de forma solta e divertida.
O circo se transforma num centro de discussões onde todos são mestres e aprendizes. Os ciganos olham a tudo emocionados, dão entrevistas e alguns repórteres, cientes através de boatos da Lenda dos Sete Ciganos tentam arrancar algo deles a respeito, mas não obtêm sucesso.
Às 23h11, Daniel olha para cada um dos seis e faz um sinal com os olhos. Eles sabem que a hora está próxima. O menino assume o microfone e toda a atenção dos presentes é direcionada a ele:
- Boa noite, meus queridos!
- BOA NOITE! – Todos respondem.
- Que alegria estar com vocês! Estamos muito felizes da repercussão positiva que teve a Grande Tenda Mística. Tudo o que fazemos com amor cresce, multiplica e contagia as pessoas por toda a eternidade.
Chovem aplausos.
- Obrigado! Nós somos ciganos. Somos Filhos do Vento, do Trovão e das Estrelas. Nosso teto é o céu. Nossa casa é o Mundo. Nosso aquecedor, uma boa fogueira, em torno da qual cantamos, dançamos, comemos, bebemos, contamos histórias e enfim, vivemos. Somos livres. Temos nosso próprio código de ética, nossa magia, nossos mistérios e tesouros. Temos muito a ensinar e a aprender com vocês. Somos humanos como vocês. Pensamos que seja uma pena o fato de algumas pessoas se contentarem com guetos e segregações de grupos, tribos, raças, sexo, idade, condição socio-economico-cultural, opção sexual e por aí vai. Nossa mensagem é que embora cada um de nós seja uma individualidade, todos somos iguais. Viemos da mesma Fonte e para ela haveremos de retornar. Amamos vocês!
Uma salva de palmas de sete minutos chove no imenso toldo. Os ciganos se despedem carinhosamente do padre, de alguns amigos e do pessoal do circo, inclusive Diego e Rosita.
Com lágrima nos olhos Rosita abraça o filho:
-Vou sentir sua falta, meu ciganinho.
- Eu também sentirei a sua, mãe, mas estaremos sempre ligados. Obrigado por tudo.
- Amo você!
- Eu também te amo.
Os ciganos se emocionam
Daniel se dirige ao pai que o abraça e os dois explodem num choro convulso. Em seguida só se olham e Diego não verbaliza coisa alguma. Seus olhos transmitem para cada um o quanto o outro o ama. Quando a boca se cala, o corpo fala e essa é a linguagem mais sagrada.
Diego tenta falar e o filho põe carinhosamente o dedo em sua boca:
- Não precisa... Eu sei.
Dão um abraço apertado e os ciganos se vão discretamente.
Sorrateiramente Diego os segue.

Noite de Lua Cheia. Às 00h01 ocorrerá o Equinócio de Outono. A lua grávida ilumina a noite, a cidade, a mata, o pasto, os rios e mares. Ela é mãe de tudo. Os ciganos estão no meio de uma estrada, andando em direção à Constelação do Cruzeiro do Sul que está mais brilhante do que nunca: no centro está Daniel de mãos dadas com Pedro do lado esquerdo e com Zenaide à direita; esta por sua vez está de mão dada com Antonio que segura a mão de Sâmia; Pedro segura a mão de Sofia que está de mão dada com Shalom. À medida que eles caminham, vão adquirindo uma estranha luminosidade e Diego observa isso maravilhado.
No horário previsto ocorre o Equinócio e um jato de luz é projetado do Cruzeiro do Sul. Esse banho de Luz atinge os nossos amigos e num átimo, eles desaparecem e se reintegram às estrelas.

Emocionado, Diego ri e chora pelo que acabou de ver. Primeiro sente um imenso vazio que dói tanto a ponto de ele pensar que está prestes a morrer, mas o que era vácuo se preenche de um amor tão imenso e ele sorri quando constata que o verdadeiro Amor liberta, cuida e faz feliz; está acima do tempo, do espaço e de qualquer dimensão. É a Lei Maior e todos sem exceção um dia haverão de experimentá-lo plenamente e integrarão tudo o que são, o que viveram, o que vivem, e assim atingirão a totalidade e se transformarão em Pura Luz.
Diego não foi mais o mesmo depois daquele dia. Passou a ter uma vida mais tranquila, mais centrada e conciliava as coisas do circo com pesquisas sobre os ciganos e auto-conhecimento e ainda produzia um manuscrito chamado “Sete Ciganos”.
Foi justamente nessa época que o conheci, mas ele me falava pouco dos ciganos e me disse certa feita que sonhou com seu filho lhe dizendo que a história deles seria divulgada por mim. Achei o negócio meio fantasioso, mas para não ser grosseiro com meu novo amigo, preferi não me manifestar sobre isso.
Diego adoeceu, ficou acamado por um tempo, mas permaneceu lúcido até o ultimo instante. E segundo a dedicada esposa, sempre conversava com os Sete Ciganos, em contatos astrais, que lhe transmitiam paz e amor. Antes de morrer, porém, pediu a Rosita que me entregasse o manuscrito e nele e estava escrito: “Faça dele o que julgar melhor. Siga seu coração”.
Após relutar com todas as minhas forças no sentido de publicar esse material, eu mesmo tive contato com os Sete Ciganos, astralinamente, e não tive outro caminho a seguir senão esse... Foi a minha melhor escolha.

Antonio Aruanda.

Daniel - 7


16/03.
O movimento da Tenda não pára. Diego vive emoções contraditórias: alegria pelo faturamento e tristeza por saber que o momento da partida dos ciganos se aproxima. Para driblar essa tristeza, porém, decide fazer uma festa no dia 19 e começa a se mobilizar nesse sentido.
Os animais já foram transportados com segurança para o Safári.
Sâmia liga para Mãe Lurdes:
- Mãe Lurdes, sou eu.
- Minha filha! Quanta saudade! Estou acompanhando os seus aprontes pela televisão. Sabia que você ainda ia dar o que falar. Como vão todos?
- Estamos bem. E a senhora, e os daí?
- Levando... Sua hora está chegando não é?
- Está.
- Como se sente?
- Estranha. Sou muito apegada a esse planeta. Me apego facilmente a tudo e a todos – começa a chorar.
- Chore não, meu bem querer. Mais dia menos dia eu também estarei em Aruanda e vai ser um prazer ir passar umas férias nas estrelas e recebê-los em minha aldeia
As duas riem, choram, falam por um longo tempo e se despedem.

17/03.
Túlio visita os ciganos e tem um momento a sós com Antonio:
- E aí, meu irmão, como vai você?
- Melhor impossível, cigano.
- Que bom! E sua mãe.
- Está mais tranquila. Criei um pouco de juízo e estou dando paz a ela. Estou estudando num cursinho pré-vestibular. Quero fazer Direito... Que é que você acha?
- Se for um desejo do seu coração, é bom.
- É sim.
- Então estude, se esforce e passe.
- Valeu, cigano! Eu precisava te ouvir.
- Aprenda a se ouvir, mano. Você é capaz. Só você sabe de si, mais ninguém. Não delegue a ninguém o poder de decidir suas coisas por você.
- Certo. Soube que vocês estão de partida... Para onde?
Antonio sorri e faz um gesto para Túlio esquecer esse assunto:
- Esqueça, amigo. É uma história longa e doida... Deixa para lá.
- Tudo bem. Obrigado por tudo!
- Cuide-se, mano e dê lembranças ao delegado e à sua mãe.
- Darei.
Túlio se vai e outro consulente vai falar com Antonio.

Mais tarde Miro liga chorando para Zenaide:
- Que passa, meu menino?
- Saudade, minha querida.
- Você sempre soube que esse momento chegaria, meu anjo.
- Mas é difícil.
Durante longos minutos Zenaide ouve o choro e as frases entrecortadas do neto e o consola, tendo que se fazer de forte para não desmoronar junto com ele.
Por fim, se despedem.

18/03.
Rola a festa do Caju de Ouro e muitas pessoas que vieram curtí-la, terminam indo à Grande Tenda Mística, triplicando o movimento.
Diego chama o filho para comerem uma pizza:
- Como se sente, filho?
- Cansado, mas feliz.
- Como se sente com a proximidade da partida?
- Ansioso, curioso, saudoso e preocupado com vocês.
- Tem certeza de que não pode ficar?
- Não é não poder, pai. É não querer mesmo.
- Que vai ser de mim sem você? Que vai ser de sua mãe? Do circo?
- Ninguém é insubstituível. Sentirei saudade de vocês e sei que farei falta, mas a vida continua e o amor que há entre nós permanecerá.
A pizza chega.
- Oba! – Daniel ri.
Diego também sorri e põe-se a comê-la.

Voltando da pizzaria, Diego e Daniel pegam Rosita e vão visitar os ciganos na casa do padre Altino.
Todos estão na sala jogando conversa fora, quando Diego muda o rumo da prosa:
- Nesses dias intensos, tem me vindo uma ideia fixa que me persegue a todo o momento.
- Qual? – Pergunta Pedro.
- Eu tenho vontade de saber da história de cada um de vocês. Origens, casos, aprendizagens, sabedoria. A cultura cigana é muito rica e é uma honra para mim conhecê-los tão de perto. Seria demais eu pedir que cada um fizesse um breve ou longo histórico da sua vida?
- Eu posso contar minha história com prazer – responde Sofia.
Os outros também concordam e os ciganos varam a noite contando casos da sua vida e de outros ciganos ao dono do circo, que faz algumas anotações numa caderneta e diz vez por outra que “isso daria um bom livro!”.

Daniel - 6

14/03.
Sofia telefona para Margarida, sua amiga de Brejões:
- Minha amiga!
- Sofia! Quanto tempo! Que bom falar contigo, minha amiga! Quanta saudade! Onde vocês estão?
- Também to com saudade, minha irmã. E hoje ela bateu mais forte ainda. Como estão todos aí?
- Estamos bem e com saudade de você. Eu e Orlando estamos expandindo nossos negócios. Dona Eulália e seu Jove estão curtindo a vida. E não sabe da última...
- Qual é?!
- Estou grávida!
- Ô Margô, que lindo! Já sabe o sexo?
- Já. É menino e vai se chamar Shalom.
- Ele vai adorar saber disso. Tenho também novidades:
- Já encontrou os seis?
- Sim. Estamos todos juntos.
- Que maravilha! Vocês conseguiram.
- Isso aí...
- Mas por que está com essa voz tristinha, minha amiga?
- No dia 20, vamos partir...
- ...
- Margô?!
- Então é verdade? – Margarida se entristece.
- É, meu bem.
- Para onde vão?
- Não sei. Não nos importa tanto o destino, mas a estrada.
- Saber que você está longe, mas aqui na superfície é uma coisa. Saber que você vai para outro mundo é bem diferente – começa a chorar.
- Acalme-se. Estaremos sempre juntas. Aconteça o que acontecer.
- Eu sei...
- Um beijo para todos aí. Especialmente para você.
- Beijo, amiga. Cuide-se.
- Pode deixar.
As duas chegam ao final da ligação chorando.

15/03.
O celular de Shalom toca. É Gilberto.
- Meu filho!
- E aí, cigano!
- Que alegria ouvir sua voz! Como você está?
- Bem demais, meu velho. Acabei de chegar a Lima. Devo estar indo hoje para Machu Pichu.
- Fico feliz por isso, meu menino.
- E você, como vai?
- Feliz. Conseguimos reunir os sete. Estamos agora em Feira de Santana e daqui a cinco dias... Estaremos partindo.
- Que bom, meu pai! Vou sentir saudades de vocês, mas sei que é o que deve acontecer. Ademais sei que estaremos sempre juntos, aonde quer que estejamos.
Shalom se emociona.
- Como estão todos?
- Bem. Transformamos um circo numa Tenda Mística e estamos fazendo sucesso. O ciganinho é fera.
Shalom conta para o filho tudo o que passaram desde que se viram pela última vez, em Nazaré das Farinhas.
- Haja história, pai.
- Filho, quero te perguntar uma coisa.
- Fale.
- Para o lugar aonde vamos, não precisamos de dinheiro e temos guardada uma boa quantia e ainda não temos com quem deixar. Você quer?
- Quero, mas façamos o seguinte. Vamos dividir essa grana entre mim a Pastoral do Nômade. Que você acha?
- Acho justo.
- Então dê o dinheiro ao padre Altino. Eu o conheço. Entrarei em contato com ele e darei as instruções para ele depositar na minha conta.
- Certo, meu filho, farei isso.
- Amo você, cigano!
- Também te amo, cigano. Desejo muito crescimento para você em sua peregrinação.
- Feliz retorno ao lar, meu pai.
- Obrigado, meu filho.
- E valeu pela ajuda.
- É o mínimo que posso fazer.
- Até um dia!
- Até!

Mais tarde o celular de Pedro também toca e é Márcio:
- Bruxo velho, descarado!
- Não me diga que é o feiticeiro Márcio?! Como vai, meu garoto?
- Bem e feliz com o sucesso de vocês. Não se fala outra coisa nos jornais além da Grande Tenda Mística. Vocês causaram grande reboliço.
- Coisa de cigano!...
- Saudade de vocês, amigo.
- E nós de vocês, como estão indo?
- Crescendo. Estou abrindo uma Fundação para ajudar jovens carentes com alguns cursos profissionalizantes. Estou seguindo o seu conselho de usar meu poder para coisas que edifiquem e te asseguro que estou muito feliz com isso.
- E os outros, como estão?
- Todo mundo bem. Caminhando. Olga e Timóteo estão trabalhando conosco.
- Que ótimo!
- Sonhei com a partida de vocês. Eu os via seguindo por uma longa estrada e aos poucos vocês iam sumindo, sumindo até desaparecerem por completo num facho de Luz.
- Partiremos no Equinócio de Outono.
- Daqui a cinco dias?!
- Isso mesmo.
- Boa viagem, meu amigo. Uma das coisas que mais agradeço a Deus foi o fato de termos nos encontrado. Você é um marco divisório em minha vida.
- Você fará muito mais do que eu, Bruxo peidão!
- Peidão é você, velho doido.
Despedem-se alegremente.

Daniel - 5


09/03.
Mal raia o dia, o povo já começa a formar fila para comprar as entradas. Os ciganos começam a atender no horário combinado. A coisa vira notícia e se espalha por internet, rádio, televisão e outros. Muitas pessoas começam a se mobilizar para procurarem os ciganos e o número delas aumenta tanto que Daniel pensa numa opção e propõe aos ciganos na hora do almoço:
- Vejam se concordam comigo: poderemos nos desmembrar e cada um atenderá um cliente, em vez de todos atendermos ao mesmo tempo uma só pessoa. Isso nos permitirá ajudar um maior número de pessoas num menor espaço de tempo. Estaremos conectados uns com os outros e penso que será proveitoso.
- Concordo, meu garoto – diz Zenaide.
Os demais também.

10/03.
Outros ciganos, visionários, curandeiros, xamãs, bruxas e curadores de várias linhas, começam a chegar e oferecem seus serviços à Grande Tenda Mística. Antonio cria um sistema de fichas que especifiquem as necessidades de cada consulente, a fim de que ele seja devidamente encaminhado e o tamanho da fila não pára de crescer.

11/03.
Pensadores, filósofos, sociólogos, antropólogos, etnólogos, intelectuais, escritores, artistas, professores, profissionais liberais, médicos, psicólogos, médiuns e pessoas de várias religiões e correntes de pensamento chegam também ao local e com a anuência dos ciganos, começam a ministrar palestras e tratamentos e formas de ajuda às pessoas.

12/03.
Algumas autoridades começam a se preocupar com o crescimento do movimento, considerando-o uma forma de ameaça ao poder público, já que todas as atenções haviam se voltado para a “tal tenda”. Tentam boicotar o processo, espalhando boletins anônimos, denunciando o projeto como iniciativa de charlatões e enganadores. O povo da cidade e de outros lugares pega a maioria dos boletins e queima em frente à prefeitura.
Diego está felicíssimo com tudo que está acontecendo e às vezes chora, quando pensa que a data da partida dos ciganos está próxima e ele nada pode fazer para impedir que seu filho amado se vá. O jeito é aproveitar os últimos dias, tornando as coisas mais prazerosas e leves.
No final dos atendimentos, os ciganos têm uma grande surpresa ao serem procurados pelos amigos de Cachoeira, Kátia e Flávio, no refeitório da Grande Tenda Mística
- Que prazer em vê-los! – Diz Pedro ao recebe-los – Mas o que os trazem aqui?
- Saudade – responde Flávio – e o cumprimento de uma promessa.
- Hum! Já sei que promessa é essa – fala Sofia abraçando aos dois – mas antes quero lhes apresentar o sétimo cigano, Daniel.
O ciganinho os saúda com alegria e os deixa apaixonados por si.
- Dona Ernestina e Miro mandam lembranças para todos – fala Kátia.
Flávio se aproxima de Antonio. Ambos dão um afetuoso abraço e aquele lhe entrega um pacote:
- Aqui está meu pagamento, irmão, valeu a força! Sem você, sem vocês, eu nem mais estaria aqui nem teria conhecido o grande amor da minha vida – Flávio abraça Kátia.
- Você vai prosperar tanto, irmão – fala Antonio – que nem vai se reconhecer.
- Que Santa Sara te ouça!

13/03.
- Daniel! – Diz Rosita esbaforida - Fanáticos religiosos estão fazendo protestos e manifestações na porta do circo, considerando o movimento como arte demoníaca.
Ele, os ciganos e alguns amigos chegam à frente do circo e veem a concentração dos manifestantes.
- E aí, Shalom? – Questiona Daniel – O que nos sugere?
- Podemos criar uma psicosfera tão amorosa que o teor da agitação perderá toda a força e não haverá efeito contrário algum contra nosso movimento.
- Brilhante, irmão! Vamos fazer isso.
Os ciganos e os outros voltam para o interior do circo, dão-se as mãos e se concentram no sentido de evocarem a supremacia do amor a fim de acalmarem os ânimos dos fanáticos.
Paulatinamente, eles vão esmorecendo até deixarem o local e uns até decidem ficar para serem atendidos.

Daniel - 4


No dia seguinte, não se fala em mais nada na cidade e regiões circunvizinhas além do episódio do circo. Diego e Magnum fazem os acertos para levarem os animais para o Safári e encaminharem o leão a um veterinário. Muitos dizem que o acontecido não passou de uma encenação que fazia parte do espetáculo. Outros começam a ver em Daniel uma espécie de Messias e passam a se organizar para visitarem o ciganinho e ouvirem suas palavras e presenciarem seus milagres.
Filas e mais filas se acumulam na frente do circo e Diego está tenso; não sabe o que fazer:
- Acalme-se, marido – diz Rosita – tem que haver uma solução.
- Quero proteger Daniel!
- De quê?!
- Dessa gente maluca que pensa que meu filho é um... Não sei o quê...
- Eles vieram buscar o auxílio dele. Ele pode ajudá-los.
- Isso pode virar fanatismo! Você não percebe? Todo mundo quer um salvador e não quero que transfiram essa loucura para meu filho.
Daniel entra no trailer no momento:
- Concordo com você, pai. Não estou aqui para salvar ninguém além de mim mesmo.
Diego pára uns instantes e tem um insight:
- Já sei! Saia pelos fundos com ele e leve-o à casa do padre Altino. Peça para que ele e os ciganos protejam Daniel.

Rosita faz o que o marido pede, conduzindo o filho de carro, sem maiores problemas e volta ao circo.
 As pessoas não arredam o pé. Querem a qualquer custo falar com o “Encantador de Leões”, como começa a ser chamado e todos do circo temem essa avalanche que se abate sobre eles.

- Aquilo foi impressionante! – Diz o sacerdote.
- Pois é, e eu sei que toquei as pessoas de alguma forma. Elas precisam de nós e penso que enquanto ainda estivermos aqui, temos que ajuda-los, só que não posso fazer isso sozinho. Preciso da força de vocês no sentido de auxiliar aquelas pessoas a curarem suas próprias dores. – Fala Daniel.
- O que tem em mente? – Pergunta Zenaide.
- Transformar o circo numa imensa tenda mística.
- Menino, você é louco! – Comenta Sofia – E seu pai?
- Mais cedo ou mais tarde ele entenderia... O problema é que não temos muito tempo.
- É bom que relaxemos agora – sugere Sâmia. – Os últimos acontecimentos mexeram com todos nós. Vamos desacelerar e deixar a coisa seguir seu rumo natural.
- Concordo – diz Shalom – Esse ciganinho é danado.
Todos riem.
- Então vamos mudar o foco – propõe Pedro – Padre Altino, fale-nos de Feira de Santana.
- É uma cidade em franco desenvolvimento. Aqui não pára e é um grande centro comercial e acadêmico.
- E de onde vem o nome da cidade? – Pergunta Antonio.
- Lá pelos idos do século XVIII, sob as invocações de São Domingos e de Senhora Santana, foi erguida uma capela no interior da fazenda Olhos d’ Água, que deu origem a um povoado que mais tarde foi chamado de Santana de Feira. Aí em 1833, botaram o nome de Feira de Santana e ficou até hoje. Que tal darmos um passeio, para conhecermos melhor a cidade e espairecermos – Fala Altino.
- Acho ótimo!- Exclama Daniel, pondo-se de pé.

Os ciganos saem em seus carros. O padre Altino vai com Shalom e Sofia e Daniel, (que usa boné para não ser reconhecido) com Pedro e Zenaide. Passam pela prefeitura, pelo hospital, pelo parque de exposições, por várias praças, pela Universidade Estadual da cidade; visitam o aeroporto, a rodoviária, o Centro de Cultura Amélio Amorim e o Cinema.
Depois retornam à casa do padre, onde conversam sobre a Pastoral do Nômade com outros ciganos e almoçam.
Mais tarde, Daniel telefona para o pai:
- Pai, sou eu.
- Diga, meu filho... – Diego está cansado.
- Como estão as coisas aí? Já posso voltar?
- As pessoas não arredam o pé. Não sei mais o que fazer. Chamei a policia, mas está todo mundo em ordem, cantando, rezando...
- Não vejo outra alternativa senão receber essas pessoas.
- Temo isso. Você sabe.
- Sei, mas não vejo outra solução. Vou levar meus amigos ciganos. Juntos, veremos o que fazer. Estamos indo para aí agora.
- É... Acho que você tem razão. Venham.

Os ciganos chegam ao circo pelos fundos.
Diego, Rosita e os artistas do circo recebem-nos aliviados.
- Que você pretende fazer, Daniel? – Pergunta-lhe o pai.
- Vamos atender algumas pessoas, individualmente. Não quero formar nenhuma igreja nem maluquice de massas. Vou chegar lá fora e falar com a multidão. Distribua ingressos pela ordem de chegada na fila, não esquecendo as prioridades, e vamos ver o que acontece.
A criança sai e todos ficam impressionados com sua maturidade e senso de organização.

Daniel chega do lado de fora e é ovacionado pelas pessoas durante alguns minutos. Em seguida, pede silêncio e é atendido:
- Não coloquem em minhas mãos e nas dos meus irmãos ciganos o direito de decidirmos o destino de vocês. Se fizerem isso, vão se decepcionar, porque não estamos aqui para controlá-los, mas para ajudá-los a fazerem o melhor por si mesmos. Não somos profetas, não queremos fundar religião alguma, nem queremos seguidores. Cada um de nós tem seu próprio caminho, ainda que decidamos andar em bando. A partir de hoje, até o dia 20 de março, este circo se tornará uma Grande Tenda Mística, eu e meus amigos ciganos e quem mais quiser se predispor a trabalhar seriamente a fim de ajudar a humanidade, estaremos à disposição de todos vocês. E como tudo na vida tem um preço e meus pais e os artistas do circo precisam de dinheiro e os demais funcionários necessitam de dinheiro para viver, será cobrado de cada pessoa o valor normal dos ingressos que cobraríamos para um espetáculo. Hoje atenderemos até a meia-noite, de graça. Amanhã e nos dias seguintes, começaremos das 09h00 às 12h00 e das 14h00 às 18h00 e será pago. Paz e Amor para vocês!
Todos aplaudem o menino e ele volta para o interior do circo. Diego está aflito:
- Danielzito!...
- Calma, pai! Vai dar certo. Durante esses dias só será impossível rolar as matinês, mas como terminaremos os atendimentos às 18h00, teremos tempo de fazer os espetáculos às 20h00, como sempre, e te garanto uma coisa: nossos atendimentos darão mais dinheiro do que as matinês – Daniel teve de usar esse argumento pois sabe quanto o pai preza a energia monetária.
- Duvido! – Fala Diego aborrecido.
- Quer apostar?
- Não. Eu sei que quando você fala, acontece.

Ingressos são distribuídos, improvisa-se no picadeiro um local para atendimento com mesas e cadeiras, os ciganos se concentram e começam a receber as pessoas.
As mais diversas situações, os mais diversos problemas são apresentados aos ciganos e cada um oferece a cada consulente uma forma sábia e amorosa de cura.

Daniel - 3


07/03.
Noite de Sexta-feira e há muitas pessoas já no interior do circo e tantas outras na fila de entrada. Os ciganos vão acompanhados do padre Altino e decidem ficar na arquibancada por julgarem mais discreto; não querem ser vistos por Diego. Luzes, música, alegria, as lonas em tom verde e vermelho brilham junto com os olhos de crianças e adultos que deixam o mundo lá fora para entrarem na dimensão circense.
Vendedores de pipoca, rolete, picolé, balas, doces, salgados, refrigerantes, refrescos e sorvetes faturam por minuto.
Atrás do picadeiro, os artistas, como sempre, estão nervosos, mas é um nervosismo normal de quem está prestes a se expor para um grande público. Depois que se mostram, relaxam e se concentram no que devem fazer.
Encerrados os ingressos, é chegado o horário do espetáculo. Todas as luzes internas da tenda gigantesca se apagam. A plateia grita. Um jato de luz é projetado para as cortinas e eis que surge a figura majestosa de Dom Diego, vestido de paletó preto e cartola. Chovem aplausos:
- Rrrrrrrrrespeitável público! Boooooooaaaa noooiiiteee! – Brada o apresentador alegremente ao microfone, enlouquecendo a assistência.
- Boooaaa noooiiiteee!!! – Responde o público.
- Está fraco!!! Boooooooaaaaaaaaaa noooiiiteeee!
Mais forte ainda as pessoas respondem e o dono do circo abre um largo sorriso:
- Assim está bom. É com muita alegria que a Família Gonzalez, cujo circo leva o mesmo nome, recebe todos vocês aqui, nessa noite de festa. Queremos proporcionar, para você e para sua família, o melhor que há em diversão e entretenimento para que possam se distrair e descontrair à vontade.
A plateia urra.
- E para seu deleite e satisfação, tenho a honra de apresentar os valorosos artistas do Grand Circo Gonzalez. Que eles recebam seus calorosos aplausos!
Abrem-se as cortinas, luzes se acendem, Dom Diego se afasta para o lado esquerdo e os artistas entram no picadeiro levando o povo à loucura. Os ciganos assistem a tudo encantados. Vêm as dançarinas e saúdam o público; em seguida, os palhaços, os trapezistas – dentre eles, Daniel, com um lindo sorriso estampado. Está radiante.
Depois vêm os motoqueiros do Globo da Morte, o mágico e a assistente, domadores e outros acrobatas.
Ordenadamente, como entraram, os artistas se retiram.
Fecham-se as cortinas. Dom Diego volta para o centro e fala ao microfone:
- Respeitável público, tenho a honra de lhes apresentar as dançarinas que vieram de Cuba e têm feito sucesso pelo mundo, Las Rumbeiras!
Entram 12 dançarinas e dão show em sua dança sensual, alegre e exuberante.
Em seguida, entram os palhaços arrancando gargalhadas dos presentes.
Finalizada a apresentação dos palhaços, entram os trapezistas e entre eles, Daniel, o mais novo de todos. Ele e os quatro artistas encantam o público com os saltos, os voos e todas as acrobacias que fazem no trapézio. Os ciganos se emocionam ao ver tanta disciplina e maestria na criança.
Depois Daniel se equilibra na corda-bamba e faz uma belíssima apresentação. Dom Diego e Rosita sempre ficam orgulhosos do filho a cada apresentação.
O mágico dá uma excelente demonstração de ilusionismo com truques clássicos, como o da assistente que entra na caixa, na qual ele enfia algumas espadas e depois usa de um serrote em três partes da caixa e as separa, ficando a cabeça da assistente numa delas, o tronco em outra e as pernas na terceira. Depois ele junta todas as partes e abre a caixa. Dela sai a assistente incólume e cheia de graça, para o aplauso das pessoas.
Logo depois entram os dois motoqueiros do Globo da Morte e fascinam a assistência com suas loucuras.
Novamente vêm os palhaços, depois os cães adestrados e sua treinadora morena; os macacos e sua treinadora loira.
É dado o intervalo. Daniel quer driblar o pai para ir se encontrar com os ciganos, mas Dom Diego não tira os olhos do filho.

O espetáculo recomeça.
As dançarinas apresentam outro show e em seguida, entram os domadores de elefantes, conduzindo os animais suntuosos Simba e Maya. Ao comando dos domadores, eles dançam, levantam as pernas, andam de ré e fazem milhares de peripécias levando a platéia ao delírio.
Novamente entram os palhaços enquanto a equipe técnica arma a grande jaula onde se apresentará o domador de leões e seus felinos.
Terminada a armação, os palhaços se retiram e entram na jaula Magnum, o forte e garboso domador de leões – homem moreno e atlético – e os animais: Zulu e Macau, os machos; Tula e Kali, as fêmeas. Com seu chicote e ciência, Magnum demonstra total domínio sobre os felinos. Reconhece isso e disso é bastante convencido do seu poder. Antonio começa a observar Zulu, que é maior do que Macau:
- Aquele leão está estranho – comenta com Sâmia – Observe.
- O que há de estranho nele, amor?
- Não sei... Estou sentindo algo... Algo está errado.
Zenaide olha para Antonio. Magnum dá o comando para Zulu saltar e passar por uma roda vazada e o felino não o obedece. O domador o ameaça com uma chibatada. O leão rosna:
Daniel presta atenção na cena e percebe que o leão não está bem:
- Zulu está doente, pai. Avise a Magnum para não exigir muito dele.
- Que nada, Daniel! Zulu não tem nada.
Magnum dá novamente o comando e o leão não obedece, sentando-se. O domador atinge a fera com o chicote e ela se enraivece. Os ciganos e algumas pessoas ficam em alerta.
- Pai!!! – Daniel grita – Zulu está sentindo uma dor muito forte. Se Magnum bater nele de novo, pode acontecer alguma desgraça!
Possesso com a desobediência do animal e cego pela vergonha de se julgar desrespeitado em público, Magnum dá outra chicotada em Zulu e é nesse momento que o cognominado Rei das Selvas ataca o domador, derrubando-o no chão. Magnum tenta se livrar do felino e este lhe dá uma forte patada, e grunhe, preparando o ataque que poderá ser fatal.
Toda a plateia pára estatelada. Nível alto de tensão. Os ciganos estão estáticos.
Num átimo, Daniel entra na jaula. Dom Diego corre para detê-lo, mas é tarde demais. O público fica apreensivo e pede para tirarem a criança dali. Os outros leões cercam Zulu e Magnum. Estão nervosos.
Daniel se aproxima do leão raivoso e toca em seu flanco. Zulu se vira para ele e o ameaça. Ele impõe a mão direita na frente do animal, fecha os olhos e diz:
- Eu te amo, irmão. Receba meu amor e se acalme. Não deixarei ninguém mais te fazer mal.
Silêncio reina no circo. Toda atenção concentrada na jaula. Zulu se aproxima de Daniel. Os olhos do menino, os olhos do animal. Magnum observa a cena impressionado. Diego transpira de medo. Rosita o ampara.
O ciganinho sorri para o felino, que abaixa a cabeça diante dele e a roça nos seus pequenos dedos, pedindo carinho. Daniel acaricia a juba do leão e este de deita no chão diante do poder do amor. Os outros leões, contagiados, aproximam-se da criança que também os acaricia e os tranquiliza:
Todos continuam silenciosos, algumas pessoas fungam emocionadas, choram baixinho... Pensam, meditam sobre suas vidas, suas crenças limitadoras, sua violência interna, as agressões externadas... Tudo parece tão pequeno diante da grandeza do Amor desse menino que os olha com olhos transbordantes de tanto amor e os emudece, que os desnuda e que lhes mostra o quão é bom amar incondicionalmente, sem amarras, sem pressões.
Daniel olha para o público, respira fundo. Os leões dormem aos seus pés. A dor que Zulu sentia não mais existe:
- Não é de violência que esses animais e vocês precisam. Não é de sofrimento nem de sacrifício. Precisamos de Amor. Só assim seremos felizes. Precisamos de Liberdade. Nada de jaulas, chicotes, armas, algemas e prisões. Precisamos de líderes que saibam servir e não tiranos que abusam de nós. O verdadeiro amor liberta e derruba grades.
As jaulas se desmontam. Os leões continuam dormindo e ninguém sente medo.
Daniel toca-os amorosamente e eles se erguem. Ele cochicha alguma coisa e sai do picadeiro, seguido pelos quatro leões.
Uma chuva de aplausos quebra o silêncio. Pessoas choram, riem, se abraçam, pedem perdão, perdoam e os ciganos sentem uma profunda alegria por estarem ali, no lugar certo, no momento certo.

O espetáculo é encerrado como de costume, mas cada pessoa se sente tocada pelo que aconteceu. Cada pessoa sabe que jamais será a mesma depois do que viu. Muitos procuram Daniel e ele os recebe amorosamente. Magnum o carrega, abraça-o e beija-o:
- Obrigado, menino de luz.
- Não os maltrate mais.
- Nunca mais.
Os leões repousam nas suas jaulas. Foram levados por Daniel, mas Dom Diego já pensa em transportá-los para um Safári ou até para a África.
Diego se abaixa para ficar da altura do filho, encara-o chorando, beija-o e abraça-o apertado:
- Te amo, meu filho!
- Também te amo, pai.
Rosita se junta aos dois
E em seguida os ciganos se aproximam.
Daniel os olha e sorri. Pega os pais pelas mãos e os conduz aos seis:
- Pai, mãe, esses são meus irmãos. Vou gostar muito se vocês os tratarem bem.
Diego se aproxima dos ciganos, pede desculpas pelo modo que os tratou no primeiro encontro e os cumprimenta gentilmente. Rosita também é amistosa.
Diego carrega o filho e o abraça:
- Por mais que me doa a ideia de você se afastar de nós – ele chora – não vou mais impedir que você cumpra seu destino, meu filho. Eu te amo, mas não posso lhe manter nas grades desse amor. Siga sua história...
- Onde quer que eu esteja, estarei com você, pai. Nem a distância, nem o tempo, nem as dimensões nos separarão.
Exaustos, todos só têm vontade de se recolher e de dormir. E assim o fazem. Os ciganos e padre Altino se despedem e se vão. Daniel dorme entre os pais.