domingo, 24 de julho de 2011

Antônio - 7


Chegando à casa de Túlio, os ciganos e ele percebem certa movimentação no local. Ao pararem os carros na frente da casa, chamam a atenção das pessoas e ao saltarem, mais ainda. O burburinho aumenta quando os indivíduos percebem que o filho de Dona Elpidea está com o bando de ciganos. Antonio e Shalom amparam o amigo, que caminha devagar e está debilitado, mas leva um sorriso nos lábios e uma aura estranha e leve. Dentre as pessoas, estão na porta da casa o delegado Ferreira, dois policiais e o amigo de Túlio, Fábio. Ambos olham a cena surpresos e se aproximam para ajudar os ciganos:
- Onde tem cigano, tem confusão – brinca o delegado com Antonio e Shalom se incomoda, mas com um olhar o cigano lhe esclarece que está tudo bem.
- Pois é, Ferreira. Trouxemos o valentão para casa.
- Onde vocês se meteram?! – Pergunta Fábio – Desde ontem à noite que sua mãe chora, Túlio.
- Eu estou bem... Meus amigos ciganos me ajudaram.
- E o cara que baleou Túlio, Ferreira? – Pergunta Antonio.
- Tentou fugir, mas foi identificado e está detido. A pergunta que não quer calar é: como vocês sumiram com esse cabra sem deixar vestígios? As pessoas que estavam lá na hora não sabiam dizer quem auxiliou o rapaz e como. Falaram que tudo foi tão rápido, que nem souberam o que havia acontecido de fato... Pareciam feito de vento...
- Nós somos vento, delegado – fala Sofia rindo.
- E quem é essa moça bonita? – Questiona Ferreira, interessado na cigana.
- É minha mulher – responde Shalom rispidamente pondo o delegado no devido lugar.
- Perdão – Desculpa-se Ferreira envergonhado.
Nisso as amigas de Dona Elpidea fazem alvoroço chamando a senhora para ver o filho que está chegando.
Ela chega à porta da rua, com o rosto banhado em lágrimas e desarvorada. Quando vê o filho, solta um grito de alegria e agradecimento aos seus santos e corre para vê-lo.
Ao chegar diante dele, abraça-o no calor da emoção e ele sente dor. Ao que Sâmia fala:
- Vá com calma, Dona Elpidea. Ele está se recuperando e ainda sente fortes dores.
- Está bem, minha filha. Vamos entrando. O que aconteceu com meu menino?

Entram e se acomodam na sala sob os olhares curiosos da vizinhança. A mãe emocionada abraça e beija o filho depauperado, mas feliz:
- Como foi que aconteceu o incidente? – Indaga Ferreira.
- Eu estava bêbado e com a intenção de matar esse cigano – mostra Antonio, chocando as pessoas – mas aí, esbarrei num homem... Nós brigamos e quando eu ia... Atirar nele, ele foi mais rápido. Alguém achou minha arma?
- Nem sombra dela, rapaz – responde Ferreira – E acho bom o senhor não querer mais saber dessa história de arma. Nem porte você tem e ainda por cima é muito esquentado. Seu comportamento não combina com revólver.
- Também acho, doutor – fala Dona Elpidea.
- E depois? – Continua inquirindo o delegado.
- Nós estávamos olhando a Lavagem – fala Antonio – e eu saquei a intenção do meu ex-antagonista e percebi que aquilo não ia terminar bem. Fiquei alerta e quando a briga aconteceu, corremos para o lugar. O rival de Túlio o baleou. Derrubei o elemento e levamos Túlio para minha barraca. Lá cuidamos dele. Tiramos a bala e ele está a salvo.
- Por que não o levaram ao hospital? – Pergunta o delegado.
- Porque no hospital o moço não teria a oportunidade de aprender o que aprendeu na tenda – responde Pedro impressionando as pessoas com sua segurança. – Além do homem que ele iria matar ter-lhe salvado a vida, nós todos conversamos com Túlio e passamos algumas regras básicas para se viver bem consigo mesmo e com o outro.
- Vocês ciganos têm regras? – Pergunta uma mulher.
- Mais do que a senhora imagina – responde Sâmia – mas são bem mais eficazes e menos complicadas do que o sistema de vocês, que burocratizam tudo e adoram dificultar as coisas e a vida.
- Que coincidência! Vocês estiveram comigo na porta da igreja! – Surpreende-se Dona Elpidea.
- Nossos destinos já estavam traçados, Dona Elpidea – fala Sofia.
- Graças a Deus, minha filha!
- E eu aprendi muito nessas poucas horas – fala Túlio. – Aprendi coisas para toda a vida e sou muito grato a Deus por ter conhecido esses novos amigos, especialmente o cigano Antonio. Perdoe-me, mãe – ele aperta a mão da senhora e ambos se emocionam – Perdoe-me por todo o sofrimento que lhe causei. Não sou santo, nunca fui nem serei, mas de agora em diante, vou me esforçar para viver melhor, com dignidade e honra. Não vai ser fácil mudar, mas eu quero e tudo o que quero, consigo. Quero arrumar um trabalho decente e preciso parar de beber e de fazer desordem.
- Santo Expedito ouviu minhas preces! Graças a Deus! Eu sabia que alcançaria esta graça! Que Deus operaria um milagre em você, através desses anjos disfarçados de ciganos – fala Dona Elpidea exultante.
Outras coisas são ditas, outros casos são contados, laços se estreitam, sucos são servidos, depois os ciganos e o delgado saboreiam a deliciosa comida da boa senhora e deixam a residência no meio da tarde. Antes de saírem, porém, Túlio abraça os cinco bastante comovido e cai no choro ao fazê-lo com Antonio:
- Não tenho como me desculpar e agradecer pelo que me fez.
- Mude de vida, rapaz. Use seu poder em seu favor. Você é um rapaz inteligente, bonito e forte. Pode tudo o que quiser. Nunca se esqueça disso. Se fizer isso, honrará a chance que lhe proporcionamos.
- Farei.
- Eu sei.
Antonio abraça o jovem e beija-lhe a cabeça.
Os ciganos saem com o delegado. Ele se dirige a Shalom:
- Cigano, perdoe-me pela brincadeira que fiz sobre os ciganos e pela forma que abordei sua esposa. Se eu soubesse que ela era comprometida, não faria o que fiz. Não quero me indispor com vocês. Quero ser seu amigo.
Ferreira estende a mão, Shalom olha para seus olhos, para a mão estendida, sorri e o acolhe:
- Tudo bem, amigo.
- Vocês não são encrenqueiros, como dizem.
- Nem você, truculento.
Todos riem.
Enquanto os outros se dirigem aos carros, Ferreira chama Antonio para um particular:
- Cigano.
- Sim?
- Só mais umas perguntinhas?
- Manda.
- Cadê sua adaga?
- Não tenho adaga, amigo.
- E o revólver do desordeiro?
- E ele estava armado?
O delegado e o cigano sorriem cúmplices.

À noite, a festa rola solta no acampamento cigano. Shalom toca e canta acompanhado pelos amigos e as ciganas dançam em volta da fogueira.
- Perdi a aposta – fala Sofia.
- “É vero!” – Diz Antonio – Fiz do inimigo, meu irmão. Tu me deves uma botella de viño chileno, gitana.
- Você trapaceou, amigo – brinca Sofia.
- Trapaceei nada, foi o destino, manita.
- Trouxe o gajão pra cá, cuidou dele, botou o menino no bolso, cigano Antonio. Pra cima de mim?
Todos riem.
- Foi Bel-Karrano quem quis...
- Sei...Pagarei seu vinho, moço.
- Beberemos todos juntos, celebrando mais esta amizade.
Optcha!

Os olhares de Antonio e Sâmia não param de se encontrar. O fogo da paixão começa a arder dentro de si e a linguagem dos seus corpos, dos seus risos e das suas almas só clamam por uma coisa: entrega.
Depois Sâmia dança para o cigano e os demais se alegram com a paixão nascente.

Pedro se despede e se recolhe. Depois Shalom e Sofia e os dois ficam perto das brasas da fogueira, tomando vinho:
- Foi muito bonita a forma que você ajudou Túlio.
- Que nós ajudamos.
- Ajudar a quem nos quer bem é muito fácil...
- Todo adversário nosso é um amigo em potencial que ainda não conseguiu se ajustar a nós. Mas quando isso acontece, muitas vezes a amizade se torna mil vezes mais sólida do que a que existe entre dois amigos que nunca quiseram matar um ao outro.
- Você é um homem apaixonante, Antonio.
- Você é uma mulher que fascina.
- Nunca casou?
- Não. E você?
- Também não.
- Por quê?
- Sou uma mulher sem amarras. Nunca encontrei um cigano, nunca encontrei um homem que conseguisse viver comigo respeitando-me como sou.
- Sei como é isso. Somos parecidos.
Ela afaga seu rosto barbeado:
- Você é bonito!
Os olhos se devoram, as bocas e os sexos se desejam sedentos.
- Você me enlouquece.
Duas bocas se beijam e tendo a noite, as estrelas e a luz cheia por testemunhas, Antonio e Sâmia se entregam.

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