terça-feira, 19 de julho de 2011

Pedro - 2


- Então somos anjos?
- Conta a lenda.
- Sou muito humana para ser um anjo.
- Pois acho que você é muito anjo para ser humana.
Ambos se olham com paixão.
Após o almoço, saem de carro, pois Shalom decide mostrar-lhe a cidade. Eles passam pelo Ginásio de Esportes, pelo Centro de Cultura, pela Prefeitura, pela Biblioteca Municipal Denise Tavares, pelo Shopping Itaguari, pegam a estrada e vão até a Rodoviária.
Voltam em seguida para o centro da cidade e vão até a Igreja de São Benedito e estacionam em frente à Galeria Moura.
- Ali naquela lanchonete – ele aponta para um lugar chamado Arca de Noé – podemos tomar o melhor caldo de cana que já provei.
- Vamos.
Os dois se vão de mãos dadas atraindo olhares dos taxistas, dos kombeiros, dos motoristas de “vãs” e de outras pessoas que estão ali naquele momento.
Sentam-se a uma mesa da lanchonete e ele pede dois caldos de cana grandes:
- Por que a cidade tem esse nome, Shalom?
- Entre os séculos XVI e XVII a área do Rio Jaguaripe, que nasce no município de Castro Alves, passou a ser a menina dos olhos dos colonizadores. Tudo isso aqui se constituía de mata verde, madeira de lei e muitos cursos d’ água que atraiam plantadores de cana-de-açúcar e de mandioca. O primeiro povoado apareceu em torno de um oratório consagrado a Santo Antônio e daí veio o nome do município.
O despachante serve aos ciganos copos enormes da bebida. Sofia olha para o marido surpresa:
- É enorme! Quem disse que vou conseguir tomar tudo isso?
- É tão gostoso que você nem vai se tocar da quantidade. Experimente...
Ela o faz e saboreia com prazer:
- Delicioso!
- Não disse?
- Então estou a tomar o caldo da cana de Santo Antônio de Jesus?
- Sim.
- Muito bom, cigano! Além disso, que mais se produz aqui?
- Muitas outras coisas, mas o amendoim e o limão têm destaque. Na pecuária, sobressaem os bovinos e muares. O setor industrial está crescendo e o comércio é, na verdade, o que move isso aqui.
- Achei fantástico aquele sobrado que você me mostrou na Praça Rio Branco, aquele que já foi residência das freiras e hoje é um hotel.
- Ah! O Sobrado Alves e Almeida!
- Ele mesmo.
- Quando passarmos por Nazaré, Santo Amaro e Cachoeira, você verá mais sobrados e arquitetura antiga do que por aqui. A cidade cresceu e se modernizou demais, como Feira de Santana. Ambas têm sua história, mas o progresso do presente muitas vezes apaga a beleza do passado.
- O progresso é uma faca de dois gumes. Às vezes tenho saudade da vida em bando, das barracas...
- Muitas coisas mudaram.
- Gostaria de encontrar mais ciganos por aqui.
No exato momento, uma cigana velha com uma cigana menina chegam à lanchonete. Os olhos de Sofia e Shalom brilham e quando a senhora os vê, sorri, pega na mão da menina e se dirige aos dois:
- Ciganos?
- Sim, vovó – diz Shalom levantando-se e saudando a senhora – Sente conosco e tome um caldo de cana.
- Como não?! – A velha tem um sotaque bem carregado.
Shalom cumprimenta a criança, enquanto Sofia abraça e beija carinhosamente a outra. Depois ela fala com a criança, todos se sentam e o cigano pede mais dois caldos e manda a menina escolher algo para ela e a senhora comerem, mas elas agradecem e recusam a oferta. O que é considerado atípico pelo casal, mas preferem relevar.
- Como se chama, meu filho?
- Shalom Carín.
- Família Carín? Há muito tempo ouvi falar do teu povo... Estão sozinhos?
- Sim – ele responde.
- São desgarrados?
- Somos – responde Sofia – mas estamos à procura de uns irmãos.
- Há muitos ciganos desgarrados hoje em dia – lastima a velha. – Meu nome é Indiara e essa é minha neta Indira. E o seu, moça bonita?
- Sofia.
Indiara olha bem nos seus olhos:
- Não nos conhecemos, filha?
- Já andei por tantos lugares... Quem sabe não tenhamos nos visto... Espera aí! Dona Indiara, a senhora tem uma irmã chamada Zíngara?
- Não pode ser! – Exclama a cigana emocionada – Você é Sofia que andou muito com minha irmã e aprontava que era uma beleza!
- Isso mesmo!!! Cadê Zíngara, Indiara?
- Bel-Karrano e Santa Sara pegaram ela pelas mãos e levaram-na lá pra cima.
- Quando isso aconteceu? – Pergunta Sofia com certa tristeza.
- Há alguns anos... Mas é assim mesmo. Ela cumpriu bem sua missão e foi enterrada e homenageada com muita pompa. Quando soubemos que estava doente, avisamos a todos os amigos e parentes e ela não ficou um segundo sozinha até o seu último suspiro. Quando ela morreu, me retirei para a beira de um rio e fiz o Ritual de Passagem.
- Não o conheço – declara o cigano. – A senhora pode nos contar ou é sigilo?
- Muita coisa que era segredo antigamente hoje em dia não tem mais razão de ser. Fiz uma fogueira e coloquei nela tomilho, sálvia, alecrim e eucalipto. Falei o nome de minha irmã nove vezes, dei sete voltas em torno da fogueira, contra o relógio, e a alma dela surgiu para mim, me agradeceu e foi embora. Depois do enterro realizamos a Pomana, um rito em homenagem a quem falece. Tudo que ela gostava, desde a salada de tomate ao pernil, estava à mesa que ficou linda, como ela sempre gostou. O lugar dela ficou lá com o prato cheio de comida e a taça com vinho. Comemos, bebemos, relembramos seus feitos e como sabíamos que ela continuaria como nossa guia, nem parecia que tinha morrido.
A velha se emociona.
- Ela está viva – fala Sofia, afagando a mão enrugada da feiticeira e se emocionando também.
- Onde arranjou esse cigano bonito, mulher?
- Em Amargosa.
- Pertinho daqui. Vocês estão procurando por quem?
- Um cigano chamado Pedro – responde Shalom. – Disseram-nos que o encontraríamos aqui.
- Por que procuram este cigano?
- Precisamos encontrá-lo e nos reunir com mais quatro – continua Shalom.
Indiara arregala os olhos:
- Vocês são dois dos sete?!
- Que sete?! – Shalom pergunta confuso.
- Dos Sete Ciganos que vieram das Estrelas.
- Isso é lenda...
- Não, meu filho. Isso é real.
Sofia e Shalom narram para Indiara suas histórias. Inclusive os fatos ocorridos em Brejões e Amargosa.
- Que honra poder conhecê-los! Sei onde podem encontrar o velho Pedro. Eu posso levá-los até ele.
- Que bom, Dona Indiara! Foi Bel-Karrano que mandou a senhora para nós e aconteceu exatamente quando Sofia verbalizou o desejo de encontrar com outros ciganos.
- Por isso que sempre recomendo a ciganos e gajões: cuidado com o que desejam. Pensamento é força. Mas vamos, antes que o sol se ponha.
Sofia fica curiosa com a última colocação da cigana.
Shalom paga o que foi consumido e os quatro entram no carro e se vão.

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