segunda-feira, 18 de julho de 2011

Sofia - 12


Sexta-feira
Amanhece.
Margarida vai levar o mingau para o pai, que está na cama e ele pergunta:
- Quem é você?
- Sou Margarida, sua filha. Bom dia, meu pai. Vim trazer seu mingau.
Ela se senta na cama:
- Dormiu bem?
- Quem lhe mandou aqui?
- Jesus. Vamos nos alimentar? O mingau está gostoso.
- Você se parece com minha filha, Margarida.
- Eu sou sua filha.
- Mentirosa! Ontem Margarida completou 12 anos. Você parece com ela, mas não é ela.
- Tudo bem. Eu não sou Margarida. Sou amiga dela. Ela teve que ir comprar pão e me pediu para lhe dar o mingau.
- Eu sabia.
- Vamos tomar o mingau.
Ele se senta, pega o caneco e começa a tomá-lo:
- Como é seu nome?
- É... Rosa.
- Rosa, você se parece muito com minha filha. Diga a ela que a mãe dela esteve aqui hoje e pediu para ela passar meu paletó.
Margarida sente um frio na barriga.
- Para que o paletó, pai?... Ou, quer dizer, Seu Anselmo...
- Para a procissão, menina. Você não vai à procissão.
- Vou sim... Vou.
- Eu também vou, mas de paletó. Diga a minha filha para passar meu paletó.
- Eu digo.
Anselmo toma o alimento e Margarida sai desconsolada. Sente que a hora derradeira do pai é próxima. O que fará da vida sem ele? Sente-se só e abandonada. Pega o velho paletó cinzento e passa ferro nele e nas calças, chorando.
Cheia de angústia, ela vai trabalhar e sente dificuldade em se concentrar nos afazeres.
Ao meio-dia, uma vizinha chega ao mercado e diz que o velho não está passando bem.
Esbaforida, ela sai pela rua e esbarra em Orlando que vendo sua aflição, pergunta:
- O que está acontecendo?
- Meu pai não está bem – responde chorando.
- Acalme-se. Onde ele está?
Em casa... Preciso ir...
- Eu te levo. Venha comigo.
Orlando abre a porta do carro e ela entra. Depois ele, e dá a partida.
No hotel, Sofia sente que Margarida está mal. Resolve ir ao mercado.
Margarida e Orlando chegam à casa. Um amigo faz companhia a Anselmo que está deitado e delirando.
- Que bom você chegou, Margarida! O velho não está bem.
Ela se senta na cama e pega na mão murcha do enfermo.
- Que aconteceu?!
- Está variando. Conversando com gente invisível e chamando o seu nome... Pedindo o paletó.
Ela respira fundo. Orlando olha-a compadecido; o outro rapaz se senta, aflito.
- Pai?!
- Margarida, minha filha, cadê o paletó?
- Está passado. Vou pegar.
- Sua mãe falou que a procissão é daqui a pouco.
- Eu sei... Eu sei. O senhor vai à procissão. Agora descanse um pouco. Na hora certa o senhor vai.
- Mas eu estou descansado. Por que está chorando, minha filha?
- Estou emocionada.
Ela o abraça e beija-lhe a testa. Ele se acalma:
- Onde estão seus irmãos?
- Por aí.
- Eles vão à procissão conosco?
- Talvez.
- Quer saber? Não me importo se eles vão ou não. Quem está ao meu lado é você. Quem é esse? – Refere-se a Orlando – É seu namorado?
- É Orlando, meu amigo.
Orlando se aproxima de Anselmo e o cumprimenta.
- Ele é um bom homem, filha. Você gosta dele?
- Sim. É meu amigo.
- Boba. Não falo nesse sentido.
Margarida e Orlando riem encabulados.
- Cuide bem dela, Orlando! É uma boa moça.
- Pai...
- Case-se com ele, Margarida.
Anselmo respira aliviado e diz:
- É muito estranho como nessa hora a gente fica tão lúcido e consegue enxergar tudo como realmente é.
Anselmo respira forte e morre.
Margarida fecha-lhe os olhos e entra em desespero. Orlando a acolhe e a conforta.
- Estou com você, Margarida.
- Eu sei. Obrigada, Orlando.
Instantes depois, Sofia chega e abraça os dois:
- Ele descansou.
Os três fazem a higiene no corpo e depois vestem-lhe o paletó e as calças. Calçam-lhe meias e sapatos e penteiam-lhe os cabelos:
- Preciso providenciar o funeral – fala Margarida, resignada. – Sofia, fique aqui. Orlando, vamos à funerária.
- Não vai ligar para seus irmãos? – Pergunta-lhe a cigana.
- Depois. Agora é hora de fazer o que realmente interessa.
Orlando e Margarida primeiramente levam um médico à casa para que ele ratifique o falecimento. Depois providenciam os serviços mortuários e retornam ao domicílio. Orlando se encanta com a força de Margarida diante da provação e ela se lembra das cartas de Sofia.
Chegando à casa, Margarida já encontra alguns vizinhos e amigos, recebe os pêsames e os informa que o sepultamento será às 17h00. Telefona para irmãos e parentes, mas nenhum garante comparecer ao enterro. Para ela, não é surpresa. Pede a Sofia que prepare alguma comida e café.

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