quarta-feira, 20 de julho de 2011

Sâmia - 5



Em lá chegando, recolhem suas coisas da pousada e acertam as contas na recepção; Pedro desmonta a barraca e os quatro vão para a casa de Sâmia, que fica perto de onde estavam, no Alto do Paraíso.
A vista é bonita. Dá para se ver um longo trecho do Rio Jaguaripe, o bairro da Conceição, os Coqueiros, as três pontes principais da cidade, a passarela em frente a OLDESA, o morro do Cemitério, o centro da cidade, o morro do Cristo e outros tantos morros que cercam o município.
A casa é toda pintada de branco, tem portas e janelas simples, pintadas de verde; tem poucos móveis e é bem arejada. Logo na entrada há uma sala com um sofá e duas poltronas, uma mesinha no centro e um quadro de Santa Sara. Em frente à sala, o quarto de Sâmia, só com uma cama de casal, um guarda-roupa e uma estante pequena cheia de livros. Há um corredor e nele, à esquerda, fica um quarto vazio, que contém uma cama e um armário; à direita, o outro quarto, do mesmo jeito e logo depois, o banheiro e a cozinha. Depois da cozinha, nos fundos, está o quarto em que a cigana trabalha – um santuário harmônico e espaçoso com algumas imagens, quadros, objetos mágicos, velas e incensos. Há uma área com uma mesa grande e sete cadeiras onde se fazem as refeições e por fim um quintal cheio de ervas e algumas poucas árvores frutíferas.
- Que lugar agradável, Sâmia! – exclama Sofia – É muito gostoso aqui! Agora compreendo ainda mais a sua resistência em... Partir conosco.
- Isso é nada diante das pessoas que vêm aqui à procura de alento e conforto diariamente. Se vocês quiserem trabalhar comigo, será muito bom.
- Para nós, será ótimo – responde Sofia.
Os homens sorriem.
- Bem, então sejam bem-vindos à sua nova tenda. Ocupem seus quartos, delimitem seus espaços, se quiserem descansar, façam isso, que vou preparar uma comidinha pra gente.
- Que descansar nada – fala Pedro. – Quero dar uma volta na cidade e visitar um acampamento de ciganos que tem aqui. Vamos comigo Shalom.
- Vamos.
Os homens se vão no carro de Pedro e as mulheres vão à cozinha realizar sua alquimia tão cotidiana, tão inédita a cada dia.

Enquanto preparam a comida, as ciganas conversam:
- Que horas você começa a atender? – Pergunta-lhe Sofia.
- A partir das duas e vou até às seis. Depois vou te levar na casa de uma amiga. Foi ela quem me alugou esta casa. Tem a minha, outra casa e a dela. É uma casa de Umbanda. O nome da minha amiga é Lurdes, Mãe Lurdes. Você conhecerá o Caramanchão de Iansã Guerreira. Os casos que não consigo resolver, mando para ela e vice-versa. Trocamos muitos conhecimentos de magia e cura.
- Será um prazer conhecê-la.Você falou no Ferry sobre Caxixis quando soube que nosso amigo se chamava Patrício...
- Ah! A história! Pois é minha amiga, conta a lenda que um homem chamado Patrício, que trabalhava nas olarias de Maragojipinho, um povoado perto daqui, começou a produzir pequenas esculturas de barro e como soube que Nazaré era um importante centro cultural e comercial naquela época, há muitos anos atrás, desceu com sua canoa, singrando pelo Rio Jaguaripe, trazendo suas peças originais que encantaram as pessoas. Patrício vendeu tudo o que produziu e a partir daí, passou a vir regularmente para cá comercializar seus Caxixis. Com o passar dos anos, outros oleiros foram surgindo, a qualidade e a variedade dos produtos melhorando e se instituiu a Tradição da Feira dos Caxixis, que acontece todos os anos aqui, na época da Páscoa.
- Que interessante! Interesso-me muito pela história das cidades que visito.
- Aqui tem muita história... E fofoca também, mas a história desta terra é bem mais interessante do que os mexericos que sustentam as vidas vazias dessas pessoas mexeriqueiras que não têm o que fazer e vivem a se ocupar da vida alheia.
- Conte-me o que sabe da história daqui.
- O fundador desta cidade que começou como uma sesmaria aqui, no Bairro da Conceição, chamava-se Fernão Cabral de Ataíde. Era um português interessante e ousado que , junto à sua esposa, Dona Margarida, se interessaram em muito pelos rituais afro-indígenas que aconteciam por aqui. Ambos começaram a praticar a magia e foram condenados pela Igreja, mas percebe-se que desde o nascimento desse rincão, a feitiçaria seria a marca registrada da cidade. O clero até tentou conter a força “pagã” que brota deste solo, mas foi, é e será sempre impotente contra a religião natural que independe de instituições e dogmas. Aqui, em suma, todo mundo é feiticeiro, principalmente os que negam e são inconscientes do poder pessoal. Bem, a sesmaria de Fernão foi a primeira povoação erguida por estas bandas. Construíram um engenho e uma capela em louvor a São Bento, depois partiram para “coisas mais interessantes” – Sâmia ri debochada.
“Tempos depois – continua Sâmia – começou o burburinho de que a Virgem de Nazaré apareceu a uma menina songa-monga que vivia lépida e fagueira num sítio que se tornou alvo de romarias e aí construíram a capela de Nossa Senhora de Nazaré. Este município foi criado com território desmembrado de Jaguaripe e aí virou Vila em 1831 e por fim se emancipou em 10 de novembro de 1849. Aqui já foi berço de cultura e tudo mais. Muita gente importante transitou por aqui. Até o Imperador Pedro II e Ruy Barbosa aqui estiveram, mas acho que enterraram uma “cabeça de jegue” no centro da cidade. É um lugar estranhamente mágico e azarado”.
- Interessante! Mas aqui fica tão perto da capital. O lógico é que poderia ser um lugar mais adiantado.
- Concordo, Irmã. Os políticos daqui, em sua maioria, são patéticos. Não sabem governar. O povo, por sua vez, não sabe usar o próprio poder e a magia que está em cada átomo desse santuário é desperdiçada, por falta de cultura, por falta de vergonha. Amo essa cidade, Sofia, mas reconheço que é uma potência emperrada.
- Tomara que um dia o povo reconheça seu próprio valor.
- Tomara...

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