terça-feira, 19 de julho de 2011

Shalom Carín - 17

Mais tarde, no quarto, contemplando a pintura do jovem, Sofia indaga a Shalom:
- Qual a explicação para o que está ocorrendo com Romeu? Em todos esses anos de estrada, feitiço e vida, nunca vi uma magia assim.
- Tem coisas nessa vida que se forem explicadas, perdem a graça. É como o Amor... Explicar algo, às vezes, esclarece e beneficia; mas outras, restringe, limita a grandeza do sentimento. Não sei, minha amada, o que acontece àquele gajão mais cigano do que muitos ciganos espalhados por aí, mas sei que é um iluminado e que temos de ajudá-lo.
- Temos de organizar essa exposição.
- É. Precisamos.
Nos dias que se seguem, os ciganos e Tânia saem em busca de patrocínio, dos poderes públicos, da ajuda de outros ciganos e de várias pessoas a fim de montarem a exposição de Romeu, que conforme o próprio, se chamará “Somos Ciganos!”
Enquanto isso, incansavelmente, movido por uma paixão que extrapola qualquer conjectura racional, Romeu trabalha quase sem parar. Tomando, a custo, um copo de leite de seis em seis horas e dormindo pouquíssimo.
Seus quadros caracterizam o cotidiano do povo cigano. Pinta os cinco que integram o grupo dos amigos, individualmente; pinta um acampamento num belo cenário noturno com muita festa e movimento – e evidencia o Cruzeiro do Sul -; pinta uma mesa com cartas abertas; uma velha lendo a mão de uma jovem; uma caravana e muito outros quadros que retratam os nômades da Terra.
Patrício se encanta pelo jovem e decide ajudar os ciganos na organização do vernissage.
Dias depois, a Galeria do Banco do Brasil abriga as obras de Romeu numa grande noite de festa, regada a queijos e vinhos, dança e música cigana de um grupo que veio da capital.
As pessoas se admiram com o talento do jovem pintor e elogiam suas telas, o tema e toda a atmosfera criada com a tônica cigana. Tânia, muito feliz, se comove ao ver os convidados reconhecendo a arte do seu filho e a alegria infantil do artista, que conversa com todos com desembaraço e segurança.
Um homem, vestido com discrição, com ar intelectual e refinado passeia pelo local observando as telas atentamente. Shalom e Sofia, que estão ao lado de Patrício, notam o cavalheiro:
- Conhece aquele gajão, Patrício? – Pergunta-lhe Shalom.
- Aquele loiro? – Patrício observa o homem.
- Não. Tem cara de turista. Deve estar a passeio.
Shalom lembra-se da runa que Romeu escolheu. A Runa Branca. O Olho de Odim. O inesperado. A força do destino. O cigano se arrepia e Sofia percebe:
- Que foi?
- Senti algo estranho ao ver aquele senhor.
Ela olha o homem:
- Bom ou ruim?
- Não sei... Nada de ruim... É algo que...
Romeu e o homem loiro se encaram. O pintor sorri e o estranho também. Shalom e Sofia assistem a cena:
- O destino de Romeu se revela nesse momento – fala o cigano.
O homem se dirige ao jovem e estende-lhe a mão:
- É um prazer, conhecê-lo, Romeu. Meu nome é Aristides.
Romeu aperta-lhe a mão com alegria:
- O prazer também é meu, Sr. Aristides.
Tânia e outras pessoas prestam atenção à conversa:
- Por que ciganos, Romeu?
- Porque é como me vejo e vejo o mundo: um grande acampamento; uma imensa caravana. Gostou dos meus quadros?
- Muito! Você tem um estilo clássico que impressiona em meio a toda essa modernidade. Não que eu não goste de arte moderna. Amo, assim como amo todo tipo de arte feita com alma, mas suas telas são diferentes: têm uma história... Anunciam algo que foge à minha compreensão. Intriga-me a sua mensagem, meu rapaz. Gostei muito dos seus quadros e de um em especial.
- Qual?
- A Caravana. Quanto custa?
- Quanto o senhor dá por ele?
- Diga seu preço, Romeu e a gente negocia.
Os ciganos e Patrício se aproximam.
- R$ 500,00 – fala Romeu.
- Não é justo! – Protesta o homem, causando indignação nas pessoas.
- E o que é justo? – Questiona o pintor.
- Essa obra não vale esse preço.
- E que preço ela vale, em sua opinião? – Romeu sorri ao perceber a real intenção do admirador.
- Muito mais do que você propôs, meu rapaz.
- Faça sua oferta, senhor.
- R$ 2.500,00.
Os demais se surpreendem.
- Não está me superestimando, senhor?- Questiona Romeu.
- Você é um jovem tão talentoso que nenhum dinheiro no mundo pagará sua genialidade.
- Agradeço a generosidade. O quadro é seu.
- Tem conta nesse banco?
- Minha mãe tem – Romeu mostra a mãe a Aristides e eles se saúdam.
- Amanhã transferirei o dinheiro para a conta da senhora e como ficarei aqui até a próxima semana, acho válido deixar essa obra exposta para encantar as pessoas, com o comunicado de que ela já tem dono e quando eu partir, levá-la-ei comigo.
- Tudo bem, senhor – fala Tânia, procurando os olhos dos ciganos e ambos aprovam a negociação silenciosamente.
- Mas além de minha obra, outra coisa lhe chamou a atenção sobre mim, Sr. Aristides. O que foi?
Aristides olha emocionado para o jovem e emudece:
- Estou um pouco cansado por hoje – responde evasivo.
- Amanhã vá à minha casa. Será um prazer recebê-lo, não é mãe?
- É sim, filho...
- Certo, obrigado... Com licença!
O homem sai às pressas, deixando as pessoas curiosas. Romeu sorri:
- Por que ri, Romeu? – Pergunta-lhe Patrício.
- Porque estou feliz, meu amigo. Muito feliz.

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