segunda-feira, 25 de julho de 2011

Zenaide - 8


Em Feira de Santana, após longas horas de treino na corda bamba, o menino moreno de olhos vivos está almoçando com o dono do circo, um homem moreno, baixo, gordo e jovial descendente de espanhóis. Outros artistas circenses estão à mesa, que é farta e grande, também almoçando. Há alegria e descontração. O menino mastiga sua comida, depois olha para o dono do circo, toca em seu ombro e diz:
- Dom Diego...
Diego está conversando de boca cheia com um homem magro e engraçado, um dos palhaços do circo e não presta atenção no menino.
- Dom Diego...
Diego continua alheio ao chamado da criança, que mete o dedo no ouvido do mesmo, assustando-o e chamando sua atenção:
- Que é, meu filho?
- Minha hora está chegando.
- Hora de que, Danielzinho?
- De voltar para casa.
Niño, mas que casa? Tua casa é o mundo. É o circo! De novo você me vem com essa história maluca!...
- Minha casa é nas estrelas. Eu já lhe disse.
O homem magro e uma mulher loira, rechonchuda e vivaz prestam atenção à conversa.
- Eu também já lhe disse, muchacho, que isso é uma tontería que não tem mais tamanho. Já lhe contei sua história. Nós estávamos nos apresentando numa cidade do interior e você foi deixado na porta do meu trailer, dentro de uma cestinha, pequeninho, enrolado numa manta blanquita, blanquita... Como eu e Rosita – põe a mão na loira que está ao lado de Daniel – não podemos ter filhos, amamos você desde a primeira vez que te vimos e resolvemos te adotar como nosso filho. Desde então, nossa casa é tua casa. Nós somos tua família e não se fala mais nisso! Não sei por que você ainda me vem com essa historia. Já está bem grandinho para estas fantasias.
- Não é fantasia, pai. Sei que os seis ciganos vão chegar e eu vou junto com eles.
- Daniel – diz Rosita – melhor almoçar, meu filho, e deixar seu pai comer em paz.
- Faz três anos que venho lhes preparando. Depois não digam que não lhes avisei.
- DANIEL! – Ralha Diego.
- Ok, pai, desculpe-me. Não se fala mais nisso.
Daniel se recolhe, mas dentro dele sabe que o que sente é real e está dividido, porque ama seus pais, ama o circo, os artistas, as viagens, mas com seus sete anos de vida, sempre soube que não é daqui, que veio de longe e poderá voltar quando se reencontrar com seis ciganos.
Segundo seus sonhos e as viagens que faz quando sai do corpo, enquanto dorme, sabe que é cigano. Vez por outra, encontra-se com seus pais, que já não pertencem a este mundo, mas nem por isso deixaram de manter contato com ele. Numa das viagens, sua mãe, a bela e morena cigana Salomé, contou-lhe como tudo aconteceu:

“Eu pertencia a um bando e estava predestinada a me casar com um cigano desde a infância, mas me apaixonei por um gajão que era seu pai. Começamos a namorar escondido dos meus pais. Eles eram muito rígidos com os costumes e eu sei que jamais aprovariam meu casamento com Raul. Eu e seu pai gostávamos muito um do outro e aí ele me chamou para fugir. Foi o que fizemos. Casamos, fomos felizes, não tínhamos uma vida fácil, mas vivíamos em paz. Até que ele pegou tifo e não resistiu. Quando eu tive você, estava passando necessidades e sabia que era melhor deixá-lo com alguém que pudesse lhe criar com dignidade. Foi quando o circo chegou ao lugar onde eu estava e só me veio o desejo de deixá-lo com os artistas e assim o fiz. Depois disso, peguei uma pneumonia que evoluiu para uma tuberculose e morri. Fico feliz por você estar sendo criado por gente que te ama de verdade, meu filho, mas também lhe advirto que chegará um momento em que seis ciganos o encontrarão e você partirá com eles de volta para sua casa”.
“Esses ciganos são meus parentes?”- Perguntou Daniel.
“Não consanguíneos. Fazem parte da sua Família Cósmica. Há um poder muito lindo em você, Daniel. Use-o para ajudar a si mesmo e a quem precisar do seu Amor”.

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